🩸 “Raízes da Sombra”

No silêncio da floresta, Jack planta esperança onde antes houve corte. Mas quando uma mulher de beleza sobrenatural surge da névoa, seu mundo se enreda em algo mais profundo — e mais letal — do que as raízes que cultiva. Oly é bela. Misteriosa. Irresistível. E faminta. Enquanto o desejo cresce, a verdade se revela tarde demais: nem tudo que floresce traz vida. Algumas presenças encantam. Outras matam.

22/06/2025 08:43
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🩸 “Raízes da Sombra” — Parte I: O Canto da Predadora


A névoa dançava entre os pinheiros como dedos frios procurando pele exposta. Jack, machado sobre o ombro, contemplava a árvore recém-cortada — velha, imensa, com seiva escura escorrendo como sangue coagulado. Ao lado da cicatriz no chão, cavou um pequeno buraco e plantou um broto. Shadow, seu fiel labrador preto, farejava o ar inquieto, os pelos do dorso arrepiados.


— Equilíbrio, amigo, — sussurrou Jack. — A floresta dá. A floresta toma.


Mas algo naquela manhã parecia... errante. O silêncio não era natural. Era tenso. Prensado.


Foi quando a neblina se moveu como uma cortina puxada por mãos invisíveis. E dela emergiu Oly.


Vestia um longo casaco negro, justo na cintura, como se feita de sombra e porcelana. Seu cabelo era de um loiro quase branco, e sua pele, pálida e perfeita, parecia brilhar no ar turvo. Seus olhos — de um azul glacial — prenderam Jack imediatamente, como se o estudassem.


— Bom dia, — disse com um sorriso doce. — Não esperava encontrar outra alma por aqui.


Jack a observou em silêncio por um instante, surpreso pela beleza e pela presença quase etérea.


— Essa parte da floresta... não costuma receber visitas. É perigosa.


Oly se aproximou devagar, os pés leves, sem um som sequer.

— Às vezes, o que é perigoso é exatamente o que nos atrai... não acha?


Shadow rosnou baixo. Jack franziu o cenho.

— Ele não costuma reagir assim às pessoas.


Ela se abaixou diante do cão e tocou sua cabeça. Shadow recuou, inquieto — mas se calou.

— Nem todas as pessoas são o que parecem, Jack.


A forma como disse seu nome fez com que um calafrio percorresse sua espinha.

— Como sabe meu nome?


Ela sorriu, os lábios carnudos, quase inocentes.

— A floresta sussurra nomes aos que sabem escutar.


Ele deveria ter desconfiado. Mas não conseguiu. Algo nela era hipnótico — sua voz, seu cheiro... seu olhar.


Passaram horas juntos. Ela lhe contava histórias antigas da floresta, de rituais esquecidos, de árvores que choravam em noites de lua nova. Jack a ouvia como quem bebe vinho enfeitiçado.


Ele não sabia que, naquela noite, estava sendo caçado.



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🩸 Parte II: A Última Semente


O sol caía quando Oly o guiou a uma clareira.


— Aqui é onde as raízes tocam os ossos dos antigos, — ela disse, olhando o céu escurecer. — Quer ouvir o que elas dizem?


Jack estava fascinado. Não percebia a escuridão invadindo seu juízo.

Ela tocou seu rosto, com ternura quase religiosa.


— Você é diferente. Tem terra nos dedos e remorso no coração. Homens assim têm um gosto... raro.


— Como é? — ele murmurou, confuso.


E então viu.


Não nos olhos dela — mas no reflexo em uma poça d’água perto de seus pés.


Ela não tinha reflexo.


O tempo pareceu congelar. A névoa engoliu o mundo.


— O que você é...? — ele sussurrou, dando um passo atrás.


Ela suspirou. Longo, triste, quase carinhoso.

— Eu sou o que resta quando o amor pela vida vira fome por eternidade.


Dentes. Perfeitos, brancos, lancinantes. Os caninos cresceram como presas ocultas há séculos.


Jack tentou correr — mas já era tarde.


Ela o agarrou com força sobrenatural, derrubando-o entre folhas e lama.

— Você plantou uma árvore, Jack... Agora eu planto outra coisa em você: silêncio eterno.


A mordida foi delicada como um beijo. Mortal como uma sentença.


Shadow uivou. Mas não atacou. Porque sabia: a floresta escolhe seus mortos.



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🌑 Epílogo


Na manhã seguinte, havia um novo broto ao lado do antigo.


E ao lado dele, duas pegadas descalças marcadas no barro, indo em direção à floresta — e desaparecendo.


Jack nunca mais foi visto. Mas às vezes, à noite, os caçadores juram ouvir um machado batendo, bem fundo na mata. E uma voz feminina, doce como veneno, cantando entre os galhos:


— A floresta dá... a floresta toma...


Oly Pinheiro Barros

Oly Pinheiro Barros

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